terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O quinto poder

Caro leitor, peço sua permissão para oferecer um editorial longo, focado nos recentes acontecimentos políticos, mas que aborda a sustentabilidade política num mundo hiperconectado, que necessita de profunda reflexão de todos nós.
Agradeço antecipadamente pela paciência.
Boa leitura: É o quinto poder? A declaração da Presidenta Dilma Rousseff na sexta-feira passada (21/06) deixou claro que começa a surgir um novo interlocutor politico, reconhecido e legitimado pelos outros quatro poderes: a mobilização direta nas redes e nas ruas por questões pontuais. A divisão tripartite do poder idealizada por Montesquieu no século XVIII e, depois, no início do século XX, o surgimento dos meios de comunicação de massa como um quarto poder, desaguou neste quinto poder, possibilitado pela tecnologia e a comunicação em redes digitais de grande parte da sociedade que, hoje, não apenas recebe a informação, mas também emite julgamentos e opiniões.
E se mobiliza. De fato, estamos no meio de uma transição já que no Brasil apenas um pouco mais da metade da população tem acesso constante à Internet ou redes sociais, mas fica claro que a barreira entre o virtual e o real, como previu Pierre Levy em 2000, se dissolve cada vez mais rápido. Hoje, as manifestações vão das ruas para as redes, das redes para as ruas e estão nas ruas e nas redes ao mesmo tempo, e a mídia tradicional tenta, apenas tenta, acompanhar.
Não há horário, não existe local fixo, não surge uma demanda única e não tem orientação politica clara. Nem as pessoas são as mesmas.
Mas, diferentemente das comparações que foram feitas com outras manifestações rede-rua/rua-rede na Turquia e durante a primavera árabe, no Brasil este fenômeno se deu durante – e por causa de – o maior período de convívio democrático da história do país.
Lá se vão 24 anos e 8 mandatos presidenciais e de governadores sem questões sérias sobre o processo eleitoral em si, desde o fim da ditadura militar.
Além disso, um outro fator, que mais cria perplexidade na classe política – dentro e fora do governo – é que este fenômeno se dá num momento de razoável conforto econômico, com empregos em alta e crescimento econômico, apesar de baixo e aquém das necessidades nacionais. A DEMOCRACIA FOI O ESTOPIM O estopim que levou milhares de pessoas às ruas, portanto, foi a direta ameaça pelas polícias militares ao direito à manifestação, que, no final, levou à vitória da revogação de aumento tarifárias de transporte público em quase todo o país.
Mas a coisa não parou por aí. Até parece que a população ‘pegou gosto’, a assim foram colocadas na pauta outras reivindicações e outros temas, alguns genéricos, outros pontuais e, das redes, uma massa continuará a popular avenidas em manifestações que pipocam a todo tempo.
A esperança dos moblizados e autombilizados fala maior do que os riscos de ir para a rua e deixou de lado o pessimismo imobilizador. E assim, se consolida o quinto poder, confirmando mais uma vez a teoria do canadense Marshall McLuhan, que identificou que cada revolução tecnológica nas comunicações, traz mudanças sociais mais profundas. Como escrevi semana passada, a mobilização vitoriosa em torno das tarifas, mostrou que o brasileiro não mais aceitará decisões puramente técnicas. Ou seja, aumentar preços para cobrir a inflação sem contrapartidas e melhorias, nunca mais. Nas redes e nas ruas, o quinto poder pede o mesmo para os outros serviços públicos. No passado, estas questões pontuais eram encampadas por movimentos sociais de base, com ligações com igrejas e partidos políticos.
Às vezes se tornavam violentas, como foram as mobilizações contra aumento de tarifas de transporte em São Paulo nos anos 50. Nos anos 90, movimentos de sem teto colocaram na pauta a moradia popular nos centros urbanos com a ocupação de imóveis públicos.
O apoio a estes movimentos sempre foi pontual, restrito às suas redes (não digitais), a outros movimentos sociais, grupos de acadêmicos, igrejas e partidos de esquerda, que não só tinham um alinhamento ideológico, mas também tinham capacidade de mobilização. E, de fato, estes movimentos nunca eram pautas de destaque dos grandes jornais.
E sempre foram criminalizados de uma forma ou outra. Parar a Av. Paulista em horário de pico e colocar cerca de 100 mil pessoas nas ruas hoje parece corriqueiro. Neste final de semana, mesmo após o pronunciamento da presidenta, ainda houveram manifestações significativas. Cito apenas a de São Paulo, onde estimou-se 35 mil pessoas no início da noite de sábado contra, principalmente, a aprovação da PEC37 que tiraria o poder de investigação de diversos crimes do Ministério Público. MUDOU PRA SEMPRE: O QUE FAZER? Arrisco aqui que as manifestações vão continuar a acontecer.
Nas redes ou nas ruas.
Nas ruas e nas redes. Este quinto poder que se assume agora, no entanto, precisa dialogar com os outros poderes e os outros poderes precisam aprender a dialogar com ele, mesmo que não tenha lideranças fixas. É preciso entender que esta característica de não haver lideranças fixas, de não haver pessoas físicas identificáveis, não significa que não existe poder. Como diz o sociólogo Mássimo di Felice, que lidera um grupo de pesquisa internacional sobre redes digitais e sustentabilidade na USP, a aglutinação em torno de temas e questões pontuais vão acontecer e sempre se formarão lideranças temporárias organizando as pautas, utilizando-se de um conhecer atópico construído horizontalmente nas redes pelo compartilhamento de milhares de informações. Estes empreendedores cognitivos liderarão tematicamente e temporariamente. A qualquer momento questões pontuais (como a revogação do aumento das tarifas) ou genéricas (como o descontentamento contra a corrupção) surgirão e exigirão respostas daqui para frente. Isto coloca em questão o nosso sistema político, hoje anacrônico diante das possibilidades de participação popular propiciadas pelas redes digitais. Os partidos políticos estão na trincheira já que são ainda estruturados para operar em democracias representativas clássicas que, como analisou Norberto Bobbio, não significa que o parlamentar eleito possa consultar o tempo todo suas bases para saber se aperta o ‘sim’ ou o ‘não’ no painel.
Ele vota, na maioria das vezes, com um olho na mídia e outro na sua consciência. Isso em teoria, pois há uma desvirtuação do sistema, real e corriqueira, onde um terceiro olhar é para o financiador de sua campanha. E OS PARTIDOS POLITICOS? Nas últimas semana os partidos que quiseram ‘capitalizar’ nas manifestações foram rechaçados. Este foi o caso do PT nas ruas, junto com outros partidos de esquerda e com ligações com o Movimento Passe Livre.
Já o PPS, tentou na televisão, colocar na pauta das manifestações a inflação, e foi geladamente ignorado. Enquanto isso, as lideranças dos outros 30 e tantos partidos políticos ficaram afônicos e simplesmente desapareceram de cena.
Não que os partidos vão desaparecer, mas eles precisam entender com as redes que as pessoas não mais vão votar em siglas ou personalidades em meio a complexos e escusos acordos políticos por tempo na TV.
A própria rede poderá indicar aos eleitores quais o candidatos mais alinhados com certos temas, independente de partidos. O tempo de TV começa, enfim, perder a importância e listas fechadas, por consequência, terão que desaparecer.
Mas se cada indivíduo que tem possibilidade de organizar milhares de pessoas pode montar uma pauta própria, como que a sociedade buscará um consenso feito pela maioria? Como se mede esta maioria? Um abaixo assinado nas redes e milhares de pessoas nas ruas representam uma maioria democrática simples ou qualificada? São questões que necessitam ser abordadas.
Arrisco abaixo algumas propostas essenciais: Uma ampla reforma política para prever um sistema mais ágil e fácil de propostas populares Maior acesso à informação em todos os poderes e níveis de governo Um sistema de consultas públicas regulares sobre questões pontuais e locais Ampliação de canais de diálogo direto entre todos os poderes e a sociedade Possibilidade de revogação de mandatos do executivo e legislativo Os problemas são complexos, mas os entraves ao aumento da participação não são técnicos se houver a disposição dos governos de conectar ou possibilitar acesso à 100% da população às redes digitais e garantir a neutralidade total no fluxo de informações.
TUDO QUE SE DESMANCHA NAS REDES HOJE SE SOLIDIFICA NAS RUAS AMANHÃ Como em todas as mudanças, há incertezas. Karl Marx, há muito tempo, disse que tudo que é sólido, se desmancha no ar. A burguesia, para ele, era um vetor forte de mudanças sociais por várias razões.
Não há mais como negar que uma democracia pujante como a brasileira possa caminhar sem levar em conta este quinto poder que se desmancha no ar hoje e se solidifica nas ruas amanhã.
O caminho, percebido – mas apenas percebido – pela Presidenta Dilma em sua fala, é colocar pautas e abrir diálogos a despeito da suposta falta de lideranças. Prefeitos e governadores ainda não perceberam isso.
Ela reconheceu que o que aconteceu – que chama da voz das ruas – está aqui para ficar, hoje será pelo Facebook e pelo Twitter, amanhã por uma outra rede proprietária ou não.
Chegou a hora de ver que entramos na era do diálogo direto e horizontal, e que as soluções não são apenas técnicas, que a política não é enfadonha, que os partidos não são monopólios, que os parlamentos não têm mais endereço fixo, que as minorias não são necessariamente minorias e que todos têm uma voz potente fora das manchetes dos veículos das grandes corporações midiáticas. Este, o quarto poder, o único a ser realmente ameaçado pelo quinto… se ele não consolidar as mudanças que seus jornalistas começaram a observar.
Gostei

Nenhum comentário:

Postar um comentário